15.10.07

Teoria dos Jogos aplicada ao Sistema Monetário

... ou porque uma grande corrida aos Depósitos acabará por ser inevitável.

Já aqui comentei os conhecidos (a maior parte dos economistas por esta altura faz-se desentendido, evita cair numa discussão sobre o assunto) efeitos maléficos da concessão de crédito (sem a captação prévia de poupança) por criação monetária: ciclos económicos de expansão e depressão (a começar pela Grande Depressão), a subida de preços, o efeito redistributivo a favor de emitentes (bancos) e primeiros receptores (deficits e grandes credores).

Falta comentar a própria instabilidade do sistema que no limite não escapa das leis económicas e as do comportamento racional humano, incluindo a da simples aplicação de Teoria dos Jogos (tão em voga para explicar que o mercado tem falhas e por isso necessita de regulação, quando na verdade, é possível provar o contrário, se existem falhas que não se corrigem é porque existe regulação):

1) Se os depósitos têm uma garantia formal (com um limite pré-definido) e uma outra garantia velada (a que os Bancos Centrais vão socorrer a totalidade dos depósitos como o fizeram em Agosto com um Banco inglês), os depositantes têm todas a razões para aplicar o dinheiro nos bancos com maior risco sem olhar ao seu risco.

E quando o próximo banco sofrer uma corrida aos Depósitos como é que vão poder explicar que não socorrem igualmente a totalidade dos seus Depósitos/depositantes? Não podem, especialmente em caso de “corrida” generalizada.

2) Se os bancos concedem crédito a longo prazo (ex: 30 anos no crédito à habitação) financiando-se no mercado monetário (e no caso de “veículos” especializados no papel comercial) a meses (para não falar nos próprios depósitos), e quando este mercado se recusa a renovar o crédito e aparece o Banco Central a substituir-se ao mercado e por criação monetária concede todo o crédito que este necessita (o BCE "injectou" montantes na ordem dos 200 mil milhões de Euros), porque não irá o sistema continuar a financiar-se a 30 anos com crédito de alguns meses?

Notar que os Bancos têm assim todo o incentivo para arriscar tanto quanto os seus concorrentes, quem fôr mais prudente estará a perder rentabilidade, quando depois os que mais arriscam, são socorridos até os "mercados estabilizarem".


3) E se acontece 1) e 2) isso quer dizer que o sistema monetário atingiu a perfeição e está "livre de todo o mal"?


3.1. Aparentemente parece que sim, o Banco Central tem a capacidade emitir toda a moeda que desejar para socorrer se for preciso todo o sistema bancário e todos os depósitos.


3
.2. Mas não, a capacidade de todos os "incidentes" sérios serem resolvidos com criação monetária está limitado:

3.2.1. porque o aumento da quantidade de moeda diminui tendencialmente o valor da moeda para zero.


3.2.2. porque existe o receio bem fundado que sejam estabelecidos entraves (ou suspensão absoluta "temporária") ao levantamento de depósitos (inúmeros casos passados). Palavras que com 100% de probabilidade vão ser usadas: "para conter comportamentos irracionais".


Acho que é fácil perceber que outros vão perceber que os primeiros a conseguir levantar depósitos são também os primeiros a conseguir trocar o seu dinheiro por activos reais…como ouro ou até obrigações indexadas à inflação antes de todos os outros (ou seja, antes que a subida de preços se concretize) permitindo a estes (ao contrário - ou em melhores condições - dos seguintes ) protegerem-se dos efeitos de uma injecção de liquidez para garantir uma boa parte (ou o todo) do sistema: quer para ajudar os Bancos a terem "liquidez" para cumprir com os pedidos de levantamento, quer para conceder directamente crédito aos Bancos e clientes e/ou veiculos que estes suportam com garantias veladas de renovação de créditos de curto prazo.


Mas esta última razão reforça a percepção que os reguladores saberão que é preciso suspender genericamente todos os levantamentos de depósitos (a primeira das razões), mas por outro isso em si mesmo aumenta a probabilidade de uma corrida aos bancos generalizada na tentativa de levantamento antes de tal suspensão.


É o que se poderá chamar de uma self-reinforced reality.

A prova que o sistema vai sobrevivendo à custa de fugas para a frente:

- a garantia apressada de todos os depósitos quando existe um limite fixado

- o facto das "injecções" (termo de facto adequado a junkies) serem em montantes cada vez maiores e servindo-se de colateral que não apenas os de dívida pública (ou equiparado).
- Os Bancos Centrais têm arranjado formas discretas de resolver os casos pontuais que vão surgindo: incentivam e abençoam a compra ou fusão por um banco de maior dimensão. Mas o que acontecerá quando já não existirem bancos "maiores"?

Uma questão de tempo. Ou então a teoria dos jogos não serve para nada.

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